15.12.06

 

O Pântano em Democracia ou a Democracia no Pântano

A Comunicação Social explora com avidez o caso das revelações de uma mulher despeitada. De perfil moral mais que duvidoso, Carolina Salgado, ex-alternadeira, que ainda há pouco tempo aparecia à cabeça das manifestações do Futebol Clube do Porto, contra o seu rival, o Sport Lisboa e Benfica, a mesma que insultava os benfiquistas, que se associou a Pinto da Costa, que lhe fazia todos fretes, incluindo a contratação de marginais para intimidar e sovar quem ousasse incomodar aquele suposto senhor mandante do Norte, ei-la agora a acusar, a incriminar com veemência o seu antigo amo e senhor.

Este homem que convocava para a sua tribuna Ministros, Primeiros-Ministros, Presidentes da República e respectivas esposas – a mulher de Jorge Sampaio foi mesmo por ele condecorada, com a designação de Dragona de Ouro, em cerimónia de aparato e ruído – este mesmo homem, finalmente, parece, caído do seu falso pedestal, a contas, igualmente parece, com a Justiça, até aqui sumamente desacreditada, por tantas peripécias inconsequentes que tem originado, sempre a benefício de malfeitores ou prevaricadores, presuntivos ou confirmados.

Mais uma vez, veremos se a Justiça se irá redimir, iniciando um caminho de reabilitação, averiguando os factos, descobrindo as malfeitorias, identificando os seus autores e por fim julgando-os, aplicando-lhes a força da Lei.

Isto esperamos todos nós, os que já se enfadam com tanta trafulhice triunfante, tanta ufania afrontosa, tanta malversação impune, que esta desprestigiada democracia tem consentido, para nossa profunda desonra colectiva.

Aos que nos censuram de pessimismo derrotista, deveremos responder que não é com optimismos balofos, ignorando a realidade, fazendo votos piedosos, mas totalmente inoperantes que lograremos sair do tal pântano de que falava outro inconsequente, por fim fugitivo e logo premiado, António Guterres, ele mesmo, que tanto havia contribuído, pela inércia, pela ineficácia governativa, para esse repudiado pântano.

De escândalo em escândalo, a democracia de Abril de 1974 vai cavando o seu descrédito e a sua ruína. Fiada na asa protectora de Bruxelas, ela vai-se desleixando no combate à corrupção, à criminalidade, à evasão fiscal, ao tráfico de drogas, etc., etc., a todos os conhecidos males que não param de proliferar, apesar das apregoadas excelências das instituições que ela, a nossa precocemente decrépita democracia, alegadamente criou.

Vamos assim perdendo a confiança na capacidade regeneradora deste regime, supostamente democrático, mas que, na verdade, se vai revelando cada vez mais oligárquico, cativo de grupos e de interesses, vários e espúrios.

Quosque tandem… Até quando, continuaremos a delapidar, a desmerecer o crédito, a confiança dos cidadãos de boa vontade, cumpridores das leis, sustentáculo derradeiro, mas terreno infertilizado, pouco lucrativo, de todos os inquinados regimes políticos ?

AV_Lisboa, 14 de Dezembro de 2006

11.12.06

 

Nas Nossas Ruas ao Anoitecer…

Hoje, domingo, ao fim da tarde, fiz um percurso pedestre, mais demorado que o habitual, pelas ruas e avenidas de Lisboa. De imediato me acudiram à cabeça os versos do Cesário Verde, o nosso grande poeta do viver urbano, da nossa cidade, ex-capital de Império.

Quase não se encontrava ninguém nas ruas. Raros estabelecimentos abertos, mesmo nesta época do ano, comercial por excelência, muito longe do espírito daquele que lhe deu motivo. Na verdade, a figura de Jesus Cristo, desde há muito que se tornou em mero ícone, igual a muitos outros, ao lado do de Marx, Guevara ou Fidel, por exemplo, desligado já, por completo, do seu sentido original e profundo.

A última vez que ainda terá movido multidões, jovens sobretudo, foi nos anos 60 do século XX, quando os Hippies da Califórnia o adoptaram como seu símbolo, liberal e condescendente com ousados usos e costumes, complacente ou até cúmplice com as práticas dessa mocidade, então irreverente, que recusava o Sistema, o Establishement, ao mesmo tempo que preconizava o regresso à simplicidade da Natureza.

Dessa imensa corrente espiritual ou mística, que depois se espalhou pelo mundo inteiro, com particular acolhimento aqui na Europa, restam hoje escassos resquícios de comunidades semi-nómadas, dedicadas ao artesanato e ao consumo, mais ou menos regular, de drogas, o vício persistente que haveria de prejudicar continuamente a reputação do movimento Hippy.

Talvez a maior riqueza a que os Hippies tenham ficado associados tenha sido a música, a dos anos 60, cujo hino se materializou na voz inconfundível de Scott Mckenzie, naquela bela canção «If You’re Going to San Francisco» .

No meio de tanta produção musical, desde o rock ao country, ao folk, até aos blues, luziram, de facto, em número considerável, verdadeiras pepitas de ouro do mundo da canção, que, passados cerca de 40 anos, continuam a agradar a uma imensa faixa de público, dos mais velhos, às gerações mais novas, confirmando o valor das composições, na sua resistência à usura do tempo, inquestionável supremo juiz nestas matérias.

Uma plêiade de compositores, músicos e poetas, conseguiu criar canções que ainda hoje emocionam vivamente quem as ouve. Explicar a razão desta exuberante confluência de valores, na música dos anos 60, torna-se bastante difícil, apesar das inúmeras tentativas que têm sido empreendidas por competentes sociólogos em todo o mundo.

Em Portugal, essa onda de criatividade musical também nos tocou, por essa altura, com idêntico florescimento. Dos cafés das Avenidas Novas de Lisboa, em especial dos das Avenidas de Roma e Estados Unidos da América, então frenéticos viveiros de agitação juvenil, surdiam os conjuntos, os cantores que depois se tornariam conhecidos, entre outros, os Sheiks, os Gatos Negros, os Playboys, de onde saíriam o Fernando Gomes, o Paulo de Carvalho, o Fernando Tordo, o Carlos Mendes e muitos, muitos outros, de menor nomeada, mas igualmente muito activos, cheios de força interventiva, sem dúvida dotados significativo talento.

Nos cafés se teciam os sonhos e os projectos, se congregavam ânimos, se compunham os grupos, se incentivava a imaginação das novas gerações. Só a droga e o seu consumo, fenómeno entretanto aparecido como coisa corrente entre a juventude, haveria de causar fortes motivos de apreensão entre as famílias, professores e demais responsáveis pela orientação técnica, escolar e cívica dessa irrequieta mocidade.

A existência dos cafés de bairro conferia uma enorme animação às cidades, numa época que ainda não experimentara a novidade das grandes superfícies. Em Lisboa, o Tutti-Mundi, na Avenida de Roma, o Apolo 70, no Campo Pequeno, o Imavis, na Avenida Fontes Pereira de Melo, o Galeto, na Avenida da República devem ter sido os primeiros e os mais concorridos espaços desse novo tipo de estabelecimentos comerciais, apesar de tudo, ainda modestos na sua dimensão, ainda compatíveis com os antigos ambientes, com os cafés e os bares de então, mas já impondo um outro modo, um outro estilo de convívio entre a juventude, sobretudo.

Hoje, ao percorrer variadas ruas e avenidas desta Lisboa do início do século XXI, senti saudades desse tempo, do que vivi e daquele de que ouvi falar às gerações que antecederam a minha, desse ambiente mais acolhedor, mais à medida humana, à nossa medida de seres urbanos, perdidos na indiferença e na hostilidade das cidades de ruas desertas, abandonadas do convívio das gentes que, adulterado, se transferiu para as modernas catedrais de consumo, os apinhados Centros Comerciais.

Presumo que ainda não tenhamos avaliado bem os efeitos de toda esta mutação social, aparentemente tão festejada, por cómoda e eficiente, na satisfação das nossas necessidades de consumo, mas que encerra em si um alto preço a pagar, traduzido numa crescente desumanização dos espaços que habitamos.

Na desertificação urbana, que se acelera a partir dos fins-de-tarde, já esses efeitos são bem visíveis, a ponto de nem se poder tomar um café, sequer, comprar um jornal que seja, fora desses congestionados centros comerciais.

É isto que desejamos para o futuro das nossas cidades ?


AV_Lisboa, 10 de Dezembro de 2006

4.12.06

 

Retomando a Caminhada

Desde o último texto aqui publicado a propósito de um infausto acontecimento, na esfera das minhas relações de amizade, tenho dado comigo mergulhado em pensamentos algo soturnos.
O sentido da vida, a busca da sua lógica profunda, que nos esforçamos por descobrir, por detrás dos absurdos que ela nos vai revelando, frequentemente nos desconcerta.

Os mais crentes resistem melhor a estes momentos de desalento; os outros amiúde vacilam, passam por períodos de baixa motivação e têm de lutar com persistência para retomar a caminhada e a anterior disposição combativa. A avaliar pelos livros que se exibem nas montras, nunca como hoje se terá visto tanta produção literária sobre temas religiosos ou da comummente designada ajuda psicológica.

É curioso que, no Ocidente, no momento em que as manifestações exteriores de fé religiosa quase desapareceram, quando triunfa o mais descarnado amoralismo, vemos surgir, com exuberância, um súbito interesse pelos temas religiosos :pilhas de livros sobre Cristo, Deus, Maria, Santos e outras figuras iluminadas da fé, aparentemente lidos, adquiridos por multidões, possivelmente as mesmas que enchem os centros comerciais e olham embevecidas os infinitos artefactos que a publicidade lhes inculca como essenciais para o seu bem-estar, talvez mesmo para a sua buscada felicidade.

Em paralelo, assiste-se a uma proliferação de seitas para-religiosas, filosóficas, espiritistas, de origem oriental, que prometem a paz interior, o apaziguamento da mente, em troca da desistência do real, pela procura do transcendente.

Para mim, todos estes comportamentos contraditórios traduzem um fenómeno de profunda desorientação colectiva, de enorme desespero por que passa a nossa coeva humanidade destes conturbados tempos.

Terminada a fase das crenças nas ideologias salvíficas, desacreditadas pela falência das suas experiências políticas e sociais, falência comprovada na miséria material, espiritual, filosófica e artística em que milhões de seres em todo o mundo caíram, com o correspondente sentimento de frustração e de amargura que neles se gerou, eis que surge agora, em força, como seu sucedâneo, a sedução do sobrenatural, do incógnito, do exótico, do esotérico, do obscuro e, pelo que se vê, com notável capacidade de atrair adeptos, alguns até surpreendentemente entusiasmados.

Mil e uma variedades de fantasia, de ilusão, à mistura com o mais despudorado charlatanismo vieram ocupar o enorme vazio deixado pelas utopias políticas falidas. Quando o Homem parecia finalmente dotado de formidáveis poderes instrumentais que a espantosa evolução científica incessantemente coloca ao seu dispor, quando tudo parecia inclinar-se para lhe propiciar uma era de franco progresso material e de relativa felicidade, capaz de o levar a enfrentar o futuro com maior confiança, ei-lo de novo desnorteado, confundido, vacilante, manipulado nas suas convicções, de tal forma que a própria alienação se lhe tornou imperceptível, indolor, pelas múltiplas técnicas subtis a que esta hoje recorre, para exercer o seu império incontestado.

Dir-se-ia que o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Todo o secular esforço inventivo da Humanidade, que deveria servir a causa da sua libertação, parece concentrar-se no sentido da sua domesticação, da sua grande alienação dos mais elevados ideais que um dia ela sonhou.
Mas há, por outro lado, uma «humanidade triunfante», a que sorri permanentemente, a que é festejada pela TV, a que enche revistas e jornais, a que consegue reunir ante si multidões ávidas das suas palavras, imaginadamente tocadas de magia e de paixão.

Foi, assim, que voltámos a ouvir falar das mágoas e dos ressentimentos de Santana Lopes, pelas velhacarias de Sampaio Presidente, pela indiferença ou mesmo falta de solidariedade de Cavaco Candidato. Foi, assim, que ficámos a saber que Barroso havia sido eleito Europeu do Ano, certamente pela luminosa inteligência das suas propostas de afirmação política da União Europeia, algo emperrada ou diminuída no seu afã integrador de países e povos, mesmo se de duvidosa personalidade europeia.

A propósito, conviria definir o que é isso de Europa cultural, versus Europa física. Múltiplas luminárias, enfatuadas, de verbo abundante, começaram já a perorar à roda deste conceito, sem objectividade, é certo, mas com ruidosa insistência.

Presume-se que tudo isto vise a entrada da «indispensável Turquia», esse país que tem dado sobejas provas de espírito democrático, tolerante e convivente, como demonstrou até com a visita do algo mefistofélico Ratzinger, transmudado em Papa Bento XVI, afinal, bastante mais compreensivo com os desejos dos turcos em entrar para o clube dos civilizados europeus.

As subtilezas da diplomacia do Vaticano operam, por vezes, destas maravilhas. Veremos ainda onde pára o verdadeiro pensamento do actual Papa, se nos seus antigos escritos de intelectual consequente, se na linguagem cifrada e ambígua dos Ministros do Vaticano.

A questão da entrada da Turquia na União Europeia ganhou recentemente mais um motivo de picante interesse, a respeito do problema de Chipre, que aquela adquiriu ao admitir a entrada de parte desta no seu seio. Agora está obrigada a tratar com a Turquia como país de condição dúplice : amistoso, como candidato a membro da UE, mas hostil, ameaçador, agressivo e frequentemente intratável, numa das fronteiras desta.

E depois da eventual entrada da Turquia, o que se seguirá : entrarão também a Rússia, Marrocos, que, de resto, já formulou o competente pedido, o Líbano, Israel, o Egipto, a Tunísia ou a Argélia ? Acaso ainda veremos a UE a resolver o eterno conflito israelo-árabe?

Uma vez abandonada a matriz europeia, como serão rejeitados outros países candidatos, sobretudo os da bacia do Mediterrâneo, hoje de cultura islâmica, mas outrora pertencentes ao Império Romano, sob a comum civilização latina e depois cristã? Não foi Agostinho um exímio representante dessa florescente civilização?

Pode ser que o celebrado Europeu do Ano ainda nos surpreenda com pensamento original e criativo nesta bicuda matéria. Confesso que não é sem uma ponta de desconforto que faço estas referências a Durão Barroso. Sendo ele um nosso compatriota, porque raio não me sinto honrado com mais uma distinção de que foi alvo? Será que ninguém é profeta na sua terra?

Na verdade, a razão desta indiferença nada tem que ver com isso, mas com a lembrança que ele me deixou do seu desempenho na passagem pelo seu medíocre Governo, e com a sua simulada súbita saída do mesmo, por alegado imperativo de prestígio nacional.

Como recentemente o seu ex-rival, convertido em putativo amigo, vice e braço-direito, no Partido e depois substituto na chefia do Governo, Santana Lopes, acabou por revelar, aquela sua estudada surpresa pelo convite de Bruxelas foi mais uma das suas habilidosas encenações, a que Sampaio Presidente, outro notório simulador, emprestou a sua oportuna cobertura.

Com personalidades destas, bem governados temos andado e, infelizmente, continuamos a andar, na companhia de Sócrates e da sua pretensa família socialista. Como várias vezes aqui tenho afirmado, os dois principais partidos do centro político moderado, de orientação remotamente social-democrática, o PS e o PSD, têm sistematicamente defraudado o eleitorado nas suas passagens pelo Governo.

Tendo ambos aderido, em larga medida, às teses do neo-liberalismo económico e social, alienaram também a grande maioria do seu eleitorado, a depauperada classe média portuguesa, ultimamente posta a sangrar, pela política de suposta destruição de privilégios de Sócrates.

Quando esta «sanha reformativa» terminar, ver-se-á que sobram apenas os privilégios de origem política, directamente patrocinados pelos detentores do Poder, as conhecidas figuras dos aparelhos daquelas duas grandemente desacreditadas formações partidárias.

Até quando o chamado bom povo português continuará aguentando alternadamente tanta defraudação política, é coisa que ainda se não avalia. Mas os seus sinais de enfado e desinteresse com a presente vida política, formalmente democrática, são já bem nítidos, para quem os quiser entender.

Todavia, para que nesta crónica não predomine, por demasia, a nota do desencanto, direi que, apesar dos factores adversos que encontramos por todo o lado, mesmo nos períodos de maior descrença, é possível descortinar motivos para continuar a lutar por melhores dias, por um futuro melhor para Portugal. Basta que nos inspiremos nos bons exemplos da História, da nossa e da das outras nações, que, só para isso, já valeria a pena estudá-las.

Churchill recomendava-nos resistência e paciência na adversidade, acreditando sempre na justeza das nossas convicções. Nisso deveremos perseverar, sendo certo que sem luta, nada se consegue.

Ninguém nos oferecerá de mão beijada aquilo por que almejamos no plano político.

Haverá ainda, entre os actuais Portugueses descrentes, massa crítica suficiente para desencadear uma reacção política consequente?

AV_Lisboa, 03 de Dezembro de 2006

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